Em épocas como a que estamos vivendo descobrimos um sentimento guardado dentro de nós: o amor pelo nosso país. Sentimos orgulho pelas cores que um dia escolheram para nos representar. Amamos a bandeira, esse hino maravilhoso.
Inexplicável é a razão que o patriotismo tem de se manifestar apenas na Copa do Mundo, quando 11 seres humanos tentam de toda forma colocar, com os pés ou com a cabeça, uma bola de couro dentro de um quadrado de grama e ferro, plantado nos dois extremos de um grande retângulo. Inexplicável.
Vou considerar uma hipótese: isso que sentimos não é patriotismo. Não é sentimento de quem ama a pátria e procura servi-la, como diria o Aurélio. Não é.
Se fosse, estaríamos também plantados em frente à tevê, assistindo o final da CPI dos Correios. Ou à votação daquela emenda que poderia pôr fim à falta de transparência no uso do dinheiro público. Ou atentos à Consulta Popular (aliás, você, gaúcho, votou?) ou aos passos do deputado estadual, aquele que você ajudou a eleger na última eleição.
Vou mais além.
Se quando o seu Olavo, a dona Jandira, a vó Laura e toda a família Costa, que não gosta tanto assim de futebol, se veste de verde-amarelo para acompanhar a Seleção, eles não estão exercendo seu patriotismo, estão fazendo o que?
Respondo. Estão tentando pintar de colorido – não necessariamente de verde e de amarelo – o seu sofrido dia-a-dia. Cheio de contas pra pagar, choro pra acalmar, ansiedade e preocupação pra combater. Estão fazendo daquele momento também um ritual de torcida pelas suas próprias vidas nesse país. Dá a impressão de que a cada gol e a cada belo lance, a vida aqui tende a melhorar. Tende a ficar mais fácil, mais vitoriosa. Enrolados na bandeira, de corneta na mão e ao som do inconfundível timbre de Galvão Bueno, é inadmissível aos 180 milhões em ação que a vida depois do Hexa continuará assim, tão difícil. Está comprovado, depois do Hexa, tudo será diferente.
Isso justifica também a intervenção nos ambientes. Nas empresas, enfeitaram salas, penduraram balões e bandeiras do país. Sinal de patriotismo? De paixão pelo futebol? Que nada. Fuga dessa vida maluca. Só isso.
Quer uma prova?
Quando tudo acaba. O juiz apita o final do jogo e a Seleção está fora da Copa. E-li-mi-na-da. Isso mesmo. E de novo pra França. Agora, só daqui quatro anos, uma imensidão de tempo. Silêncio na sala da família Costa. Pasmos, olham pra tela e tentam acreditar, entender, voltar o tempo e alongar os acréscimos do juiz. Mas como? Como perdeu? E agora? Todas perguntas que ecoam no íntimo do ser de cada um. No silêncio. De novo, vai parecer exagero de minha parte, mas quando as respostas parecem ser trágicas, a sensação é de que a vida perdeu todo o sentido. Tudo acabou. Tudo está consumado.
De pronto, tentam achar alternativas. Vá lá, agora vamos todos torcer pelo Felipão, disse um, por acaso?
Enfrentemos a dura realidade: com ou sem o Hexa nossa vida será sempre essa mesma. Cheia de oportunidades, com momentos alegres e tristes, alheia aos resultados do time do Parreira. Com ou sem a Copa, os rumos da nossa vida continuarão, hoje e sempre, sendo definidos por nós mesmos, os torcedores tão esperançoso pelos dribles do Ronaldinho Gaúcho ou pela leveza do Fenômeno.
E sem jogo do Brasil na próxima quarta, ou no domingo, nos resta perceber a beleza da vida nas coisas reais. Na natureza, na conversa com os amigos, no colo da mãe, nas sábias palavras da avó.
Eu, no dia seguinte à eliminação da Seleção, quero enxergar a vida em cores, ao vivo. Enfrentando os problemas reais e celebrando minhas próprias conquistas.
E, claro, torcendo por Portugal. Vai lá Felipão! Acaba com o Zizou!
Porque pra quem gosta de futebol, a Copa continua sendo o máximo.