Monday, April 24, 2006

Fagulhas de um velho formidável


Faria bem lembrar Mário Quintana (1906-1994) não só no ano do seu centenário. Na verdade não faz nem muito sentido usar a contagem tão sisuda de um tal tempo com o qual nosso poeta tanto brincou. Sim, porque viver pra ele era mais do que contar o tempo passar. Era bem mais que isso. Também era bem menos que isso ao mesmo tempo. Suas poesias tornam a vida às vezes grandiosa, às vezes sutil.

É uma baita pretensão tentar dar qualquer idéia do que era Mário Quintana num texto assim, mal acabado e morrendo de sono. Mas foi por ocasião da publicação do jornal Ensaio, dos alunos de Jornalismo da Ulbra, em Canoas, que resolvi despertar para algumas pérolas deste senhor. Dois pontos.

“Quem bebe por desgosto é um tolo. Só se deve beber por gosto.”

“A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.”

“Eu amo o mundo. Eu detesto o mundo. Eu creio em Deus. Deus é um absurdo. Eu vou me matar. Eu quero viver. Você é louco? Não, sou poeta.”

“Esse mundo pode ser que não preste, mas é tão bom de olhar.”

“O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores.”

“Estes, os que atravancam meu caminho... Eles passarão, eu passarinho!”

Sunday, April 23, 2006

Mensagem no celular do Juca

Sábado de noite. Mensagem no celular do Juca:

“Oi, estou indo pro Opinas. Bjo.”

O Juca, de cara, estranhou. Opinas é o nome íntimo do bar Opinião, em Porto Alegre. Não tinha combinado nada com a Jusci aquela noite. Nada, nada. Nem tinha tocado no assunto durante a semana. Nem sobre quem ia tocar, nem sobre desconto na consumação, sobre as amigas da Jusci, nada. Na verdade nem planejava sair aquela noite. Tinha um churrasco nos amigos, ia pra casa cedo pra dormir, só.

Terminou de se arrumar, saiu do quarto, avisou aos pais pra onde ia, pegou a carteira, as chaves e lembrou do convite da Jusci. Tinha quase certeza de que não havia combinado nada com ela durante a semana. Nem tocado no assunto. Na verdade, só tinha falado de ir no Opinas com o Gérson. Tava tudo certo até a tarde da sexta. O Juca desistiu porque fez algumas contas e viu que teria que evitar alguns excessos para o bem do bolso no final do mês. Mas o Gérson estaria lá.

É isso, pensou o Juca. Está aí a oportunidade do Gérson conhecer a Juscinéia. Dois grandes amigos do Juca, agora juntos. Seria bem legal.

O Gérson e a Jusci só tinham se visto uma vez, assim, ao vivo. Nas outras o Gérson a viu por fotos. E tinha gostado. Tinham até falado de saírem um dia todos juntos pro Juca apresentar a Jusci pro Gérson e vice-versa. Por que não naquela noite?

Do celular do Juca, mensagem para a Jusci:

“Eu não vou, mas o Gérson vai estar lá. Aproveita pra conhecê-lo guria. Juca.”

“É bem mais fácil ele me achar. Tu não disse que ele andou vendo fotos minhas? Jusci.”

Do celular do Juca, mensagem para o Gérson:

“Dica da noite: a Jusci está no Opinas. É a tua chance magrão! Juca.”

Deu tempo pro Juca sair de casa, chegar no churrasco e cumprimentar a aniversariante. Mensagem no celular:

“Meu, me descreve ela de novo. Não lembro e tô sem óculos. Gérson.”

Opa, sorriu contido o Juca, o Gérson fisgou. É hoje.

“Tu viu fotos dela esses dias, cabelos curto, loura e alta. Te vira! Juca.”

A cena se montava na cabeça do Juca. Opinião lotado, luz escassa, som lá nas alturas e o Gérson com os olhos miúdos, fazendo força para localizar uma guria loura, de cabelo curto e alta. Entre tantas, uma certamente seria a Jusci. Na real, não ia dar certo. E na real, o Juca podia fazer um pouco mais para aproximar aqueles dois.

“Jusci: onde tu vai estar até às 23:50? Juca.”

“No mesmo lugar que ficamos semana passada. No final do balcão. Bjo.”

“Cara, seguinte: ela vai estar no final do balcão de bebidas, no térreo. Traça uma linha reta com a porta que dá pros camarins, tá lembrado do Papas? Juca.”

Dez minutos e nada. Vinte e nada. Nada do retorno de ninguém.

Mensagem pro Gérson:

“E aí? Juca.”

Nada.

Meia hora depois, mensagem no celular do Juca:

“Juca? Tu tá onde? To indo embora daqui, daqui a pouco. Bjo. Jusci.”

Droga. Todo esforço em vão. Não se acharam. Também como iam se achar. Opinião lotado, luz escassa, som lá nas alturas e o Gérson com os olhos miúdos, fazendo força para localizar... nunca podia dar certo.

“Jusci, to por casa, te disse que não iria. Boa festa! Juca.”

O churrasco ainda tava rolando quando o Juca resolveu ir embora. Despediu-se de todos, chegou em casa e dormiu desiludido. Pensou que ia unir aquelas duas almas naquela noite. Sempre ouvia falar tanto do poder das novas mídias. Que a internet não sei o quê. Que os e-mails não sei o quê. Que o celular podia coisa e tal. Dessa vez não serviram pra nada. Que bosta! E o Juca dormiu.

O sol já quase se posicionava bem no meio lá em cima quando o Juca acordou e levantou. A primeira lembrança da noite passada foi do pão com alho. Do alho com pão, reclamou o Juca enquanto lavava o rosto. Essa mania de encher as coisas de tempero.

Voltou pro quarto, arrumou a cama e pegou o celular. Foi quando foi ver as horas, que percebeu que tinha recebido uma mensagem durante a noite.

“Meu amigo, tua amiga beija bem pra caramba. Gérson.”

Hehe, disseram os olhos do Juca. Piscou duas, três vezes. Sim, já estava acordado, a mensagem era real e não parecia ser uma brincadeira do Gérson.

Deu vinte minutos e a mensagem complementar:

“Amigo, eu achei o Gérson ontem. :-) Bjo, Jusci.”

O Juca olhou dnovo pro celular e leu a mensagem. Esticou a coberta sobre a cama e saiu balançando a cabeça.

***

Música tocando, letras e frases subindo na tela.

A Jusci e o Gérson continuaram se conhecendo nos finais de semana que se seguiram. E o Juca decidiu não interferir mais, em mais nada. Tinha feito sua parte.

Qualquer semelhança entre fatos, nomes e pessoas, é mera criação da sua fértil imaginação, amigo leitor.